quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A Transfiguração



Meditação episcopal para o Tempo de Quaresma

Segundo Domingo de Quaresma 2013
Lucas 9: 28-36
Bispo Héctor Gutiérrez

O tempo de Quaresma me traz sempre lembranças encontradas, por um lado pela experiência ritualista e até certo ponto exagerada da comunidade religiosa, que inclusive exige deixar de escutar música ou ver televisão durante os 40 dias ou deixar de tomar banho em todos os dias santos. Até a mais libertadora de todas as experiências, seguida pelos meus pais em nossa casa - os quais nunca nos impuseram essas exigências, pelo contrário nos levavam a lhe dar um sentido mais vital, comprometido e humano à Quaresma, nos convidando a compartilhar com os que eram menos favorecidos que nós (coisa que era complicada, mas muito iluminadora), pois sempre fomos de classe média baixa. Estou convencido que com eles aprendi que tinha que me voltar para o Cristo presente nos irmãos e nas irmãs; e que o investir a vida na luta pela justiça e solidariedade, pela verdade e vida, pelo respeito aos direitos de todos é o que daria sentido ao nosso ser como humanos e cristãos.
Em nosso caminhar este ano pela Quaresma, o texto bíblico nos propõe o “Acontecimento da Transfiguração” que com um modo muito singular nos assinala algumas coisas que não podemos perder de vista. Não devemos nos deixar levar por sentir o belo, mas sim devemos ter os pés bem postos sobre a terra para tomar o sério compromisso de seguir o exemplo de Jesus.
Sempre me pareceu interessante, sobretudo como um plano de vida espiritual e humano a pergunta que Lucas 9: 10 põe na boca de Jesus para seus discípulos: “Quem disse às pessoas que sou eu?”. E, a partir do meu ponto de vista, nesse texto que hoje se propõe para a liturgia desse domingo, o mesmo Lucas expõe narrativamente o significado da resposta de Pedro: Jesus de Nazaré é “O Cristo de Deus”. Ele tem que padecer, mas também se manifestar em sua glória, o que faz do relato um flash.
A apresentação do que vai acontecer em Jerusalém (paixão, morte e ressurreição), como um êxodo, faz de Cristo um novo Moisés. Sua oração, seus sofrimentos, seu compromisso, testemunho de vida e sua cruz são o caminho que a comunidade deve seguir. Porém, não só como um compromisso vazio, mas como uma vida vivida em solidariedade sempre constante com a coerência do evangelho radicalmente inclusivo.
Lucas constantemente insiste na oração de Jesus entre a atividade da Galileia e a subida a Jerusalém, o que nos faz ver a importância da oração na vida cristã. Não uma oração formulada com palavras vazias, mas que incluía a experiência vital diária, do compromisso, da luta constante, dos êxitos obtidos, das frustrações experimentadas e dos planos por se realizar.
Uma chave importante do relato que refletimos este domingo é o “Escutem-no!”, que faz despertar a consciência adormecida e sentimental do buscar estar somente nas proximidades de Jesus, querendo armar tendas (como é a proposta iludida de Pedro), mas que vai além, e nos faz por os olhos novamente na peregrinação não infinda de Cristo, o lembrar que estamos no caminho e que escutá-lo implica em dar vida à sua palavra em nossa vida diária, em nosso entorno e meio do lugar onde Cristo nos pede para florescer.
A transfiguração é um adiantamento, um “eclipse ao revés”: uma luz no meio da noite. Dá um sentido completamente novo à vida (e à morte). Faz-se compreensível a reflexão de Hélder Câmara: “O que não tem uma razão para viver, não tem uma razão para morrer”.
A transfiguração é dizermos “isto o que lhe espera”; é dizermos que “dar a vida vale a pena”. Todo o processo de conversão e mudança tem sentido porque temos uma rocha firme, temos quem não muda, e garante nossa vida fecunda; um “ressurreto que é crucificado.” (J. Sobrino)
Não é que Deus queira que ninguém morra, Ele é o Deus da vida, e não de morte. Mas não há nada mais doador de vida que o amor, por isso Deus é amor. Deus nos quer sempre, cada dia, dando vida (mesmo que frente à injustiça, à violência e ao egoísmo da vida vivida à margem do amor)– essa busca de dar a vida pode implicar em ter que dar a vida. Porém, como sempre, é a vida e o amor o que conta; é a vida pelo reino; é dar a vida para que outros vivam. Uma morte que dá vida, dá sentido a tantas vidas mortas...

Tradução: Handré Garcia


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