Meditação episcopal para o Tempo de Quaresma
Segundo Domingo de
Quaresma 2013
Lucas 9: 28-36
Bispo Héctor Gutiérrez
O tempo de Quaresma me
traz sempre lembranças encontradas, por um lado pela experiência
ritualista e até certo ponto exagerada da comunidade religiosa, que
inclusive exige deixar de escutar música ou ver televisão durante
os 40 dias ou deixar de tomar banho em todos os dias santos. Até a
mais libertadora de todas as experiências, seguida pelos meus pais
em nossa casa - os quais nunca nos impuseram essas exigências, pelo
contrário nos levavam a lhe dar um sentido mais vital, comprometido
e humano à Quaresma, nos convidando a compartilhar com os que eram
menos favorecidos que nós (coisa que era complicada, mas muito
iluminadora), pois sempre fomos de classe média baixa. Estou
convencido que com eles aprendi que tinha que me voltar para o Cristo
presente nos irmãos e nas irmãs; e que o investir a vida na luta
pela justiça e solidariedade, pela verdade e vida, pelo respeito aos
direitos de todos é o que daria sentido ao nosso ser como humanos e
cristãos.
Em nosso caminhar este
ano pela Quaresma, o texto bíblico nos propõe o “Acontecimento da
Transfiguração” que com um modo muito singular nos assinala
algumas coisas que não podemos perder de vista. Não devemos nos
deixar levar por sentir o belo, mas sim devemos ter os pés bem
postos sobre a terra para tomar o sério compromisso de seguir o
exemplo de Jesus.
Sempre me pareceu
interessante, sobretudo como um plano de vida espiritual e humano a
pergunta que Lucas 9: 10 põe na boca de Jesus para seus discípulos:
“Quem disse às pessoas que sou eu?”. E, a partir do meu
ponto de vista, nesse texto que hoje se propõe para a liturgia desse
domingo, o mesmo Lucas expõe narrativamente o significado da
resposta de Pedro: Jesus de Nazaré é “O Cristo de Deus”. Ele
tem que padecer, mas também se manifestar em sua glória, o que faz
do relato um flash.
A apresentação do que
vai acontecer em Jerusalém (paixão, morte e ressurreição), como
um êxodo, faz de Cristo um novo Moisés. Sua oração, seus
sofrimentos, seu compromisso, testemunho de vida e sua cruz são o
caminho que a comunidade deve seguir. Porém, não só como um
compromisso vazio, mas como uma vida vivida em solidariedade sempre
constante com a coerência do evangelho radicalmente inclusivo.
Lucas constantemente
insiste na oração de Jesus entre a atividade da Galileia e a subida
a Jerusalém, o que nos faz ver a importância da oração na vida
cristã. Não uma oração formulada com palavras vazias, mas que
incluía a experiência vital diária, do compromisso, da luta
constante, dos êxitos obtidos, das frustrações experimentadas e
dos planos por se realizar.
Uma chave importante do
relato que refletimos este domingo é o “Escutem-no!”, que
faz despertar a consciência adormecida e sentimental do buscar estar
somente nas proximidades de Jesus, querendo armar tendas (como é a
proposta iludida de Pedro), mas que vai além, e nos faz por os olhos
novamente na peregrinação não infinda de Cristo, o lembrar que
estamos no caminho e que escutá-lo implica em dar vida à sua
palavra em nossa vida diária, em nosso entorno e meio do lugar onde
Cristo nos pede para florescer.
A transfiguração é um
adiantamento, um “eclipse ao revés”: uma luz no meio da noite.
Dá um sentido completamente novo à vida (e à morte). Faz-se
compreensível a reflexão de Hélder Câmara: “O que não tem uma
razão para viver, não tem uma razão para morrer”.
A transfiguração é
dizermos “isto o que lhe espera”; é dizermos que “dar a vida
vale a pena”. Todo o processo de conversão e mudança tem sentido
porque temos uma rocha firme, temos quem não muda, e garante nossa
vida fecunda; um “ressurreto que é crucificado.” (J. Sobrino)
Não é que Deus queira
que ninguém morra, Ele é o Deus da vida, e não de morte. Mas não
há nada mais doador de vida que o amor, por isso Deus é amor. Deus
nos quer sempre, cada dia, dando vida (mesmo que frente à injustiça,
à violência e ao egoísmo da vida vivida à margem do amor)– essa
busca de dar a vida pode implicar em ter que dar a vida. Porém, como
sempre, é a vida e o amor o que conta; é a vida pelo reino; é dar
a vida para que outros vivam. Uma morte que dá vida, dá sentido a
tantas vidas mortas...
Tradução: Handré
Garcia